26 de fev. de 2008

PUBLICAMOS AQUI UMA REPORTAGEM DO JORNAL HOJE DA GLOBO SOBRE AGRESSÃO DE ALUNOS AOS PROFESSORES E COLEGAS. É UMA PENA QUE COISAS COMO ESTAS ACONTEÇAM EM NOSSAS ESCOLAS.
QUE BOM SERIA QUE TODOS TIVESSEM A ALEGRIA DE ABRAÇAR SEUS PROFESSORES COMO NESTA FOTO.

Agressão em sala de aula - Carla Modena JORNAL HOJE 25/02/08

O que leva um estudante a romper as regras de disciplina e agredir os professores dentro da escola? O Jornal Hoje investiga essa delicada relação entre mestres e alunos e divulga relatos de profissionais que foram ameaçados por estudantes nas salas de aula.

Hoje, é como se a professora Eunice Martins tivesse que aprender a escrever novamente. “Eu não sinto a ponta do dedo ainda. É como estivesse dormente, não consigo escrever mais com ele”, conta.

A habilidade, aperfeiçoada com 28 anos de experiência dentro da sala de aula, ficou comprometida pelo golpe de um aluno. No ano passado, a mão direita de Eunice foi prensada na porta de uma escola municipal de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. Ela perdeu parte da ponta do dedo.

“Ele passou no meio dos meus alunos empurrando, esbarrou em mim e dirigiu-se para o banheiro. Eu pedi que ele saísse do banheiro para que a gente conversasse, e nisso a porta de repente veio com tudo”, lembra Eunice. “Eu só me lembrei de tirar a cabeça do caminho, mas não lembrei de tirar a mão”.

Uma ex-diretora que não quer se identificar passou 20 anos de sua vida dentro de escolas públicas. “Eu sei que existem escolas em que o aluno chega, coloca a arma em cima da carteira e fala: ‘hoje eu vou embora tal hora’”, relata.

Uma pesquisa do sindicato dos professores do estado de São Paulo (Apeoesp) mostra que quase 90% dos educadores conhecem algum caso de violência dentro das escolas. Vandalismo e agressões físicas e verbais são os tipos mais comuns.

O estudo apontou ainda os causadores dessa violência. A maioria (93,3%) é de alunos; desconhecidos (31,6%) e pais (25,2%) também são citados.

Dos 684 professores entrevistados, 70% afirmaram que sabem de casos de tráfico de drogas na escola; 67%, do uso de drogas pelos alunos. Outros 46% souberam de situações de pessoas armadas na escola.

Na semana passada, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, uma aula terminou em agressão física numa escola estadual. Segundo a professora, que não quer se identificar, tudo começou porque um aluno estava atrapalhando a aula. “Na hora em que ele saiu, eu fui fechar a porta, e ele veio com agressão. Ele já veio dando soco, primeiro na minha boca. Depois eu corri, e ele me deu uma rasteira e me jogou no chão. O aluno me ameaçou, jogou uma cadeira contra mim”, contou a professora.

Caren Ruotti, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que não existem culpados. Para ela, a violência dentro da sala de aula é fruto da falta de integração entre escola e comunidade. “O aluno não é trazido pra discutir os problemas que existem na escola, e os professores também não. Muitas vezes acaba ficando esse clima de indisciplina, de desrespeito, onde as agressões surgem porque os problemas não são tratados nem discutidos pela escola”, ela diz.

Enquanto isso, a violência escolar vai deixando suas marcas. "Eu gosto do que eu faço, mas numa situação dessa a gente perde a ilusão. Perde o encanto de dar aula”, diz uma professora agredida.

O otimismo ainda mantém uma outra professora na rede pública estadual: “É obrigação do profissional da área de educação não só transmitir os conteúdos programáticos, mas também educar realmente. O professor tem que mostrar a questão de valor, mostrar a questão de viver em sociedade. Lugar de criança é na escola”.

Em nota, a secretaria de Educação do estado de São Paulo informou que o número de agressões contra os professores diminuiu: em 2005, foram registrados 210 casos num universo de 250 mil professores. No ano passado, o número caiu para 180 professores agredidos. A secretaria afirmou ainda que são desenvolvidos na rede pública programas que incentivam o respeito aos professores, funcionários, alunos e pais de alunos.

Sobre a pesquisa da Apeoesp, a secretaria da Educação informou que não considera o estudo representativo, já que foram ouvidos 684 professores dos 250 mil que estão atuando no estado.

A secretaria de Educação de São Bernardo do Campo classifica como um “incidente” o que aconteceu com a professora Eunice, citada na nossa reportagem.

Entrevista
Para discutir esse assunto, recebemos no estúdio do JH o professor Mário Sérgio Cortella, doutor em Educação. Confira a entrevista.

JH: Os números que mostram uma queda no registro de agressões indicam que está havendo uma mudança de comportamento?
Mário Sérgio Cortella: Essa mudança é lenta, assim como foi lento o processo para chegar ao ponto a que chegamos. Afinal de contas, há 30 anos tínhamos casos muito episódicos – havia alguns aqui ou ali. É claro que, assim como se tem na pesquisa que 87% dos docentes já ouviram falar de violência na escola, também nas cidades a maioria das pessoas já ouviram falar de violência em geral, nas cidades. A escola em si não é produtora de violência, mas reproduz uma violência que está disseminada no conjunto da sociedade. A questão é que a escola é um local que junta pessoas – e isso pode significar uma comunidade ou um simples agrupamento. As escolas deixaram de uma comunidade de educação e várias delas se tornaram um mero agrupamento.

JH: A família tem alguma culpa nisso?
Mário Sérgio Cortella: Sim, também tem responsabilidade, assim como as escolas. Mas também é preciso pensar que as cidades cresceram numa velocidade muito grande e nós nos tornamos anônimos na cidade – um professor não encontra mais o aluno no cinema, na igreja, no mercado, como aconteceu em outros tempos. O anonimato favorece que você não mantenha relações de respeito e permite, entre outras coisas, que haja um nível de delinqüência que a família aceita no dia-a-dia. Uma frase que alguns dizem: “Os jovens são assim, eles explodem mesmo”. Não é para ficarmos desesperados com esses números mas não é para ficarmos negligentes. É uma coisa séria que reflete algo especial: você tem a violência nas ruas, a violência doméstica, e agora a violência nas escolas – quebrando uma lógica quase centenária que diria que o professor não pode ser agredido.

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